18 Novembro 2024
A Região Demarcada de Colares: Um Tesouro Vitivinícola Único
A Região Demarcada de Colares é um dos segredos mais bem guardados da viticultura portuguesa. Situada na costa atlântica, no concelho de Sintra, esta pequena e histórica região distingue-se pelas suas vinhas resilientes, que desafiam os extremos climáticos e a pressão urbanística para produzir vinhos de caráter ímpar. Entre as suas particularidades está a plantação em solos arenosos, uma raridade na viticultura mundial, que protegeu a região da filoxera e permitiu a manutenção das vinhas em pé-franco, sem recurso a porta-enxerto. Esta peculiaridade, aliada à influência marcante do oceano Atlântico, dá origem a vinhos de elevada acidez, frescura vibrante e notável longevidade.
O nome Colares evoca tradição, resistência e um modo de produção quase artesanal que remonta a séculos de história. Oficialmente demarcada em 1908, a região já viveu períodos de grande prosperidade, mas também tempos difíceis, em que a redução da área de vinha ameaçou a sua continuidade. Hoje, com um número reduzido de hectares plantados, os vinhos de Colares representam uma minoria no mercado, mas a sua singularidade atrai cada vez mais enófilos e especialistas interessados em descobrir um dos últimos redutos da viticultura atlântica.
Nos últimos anos, a minha trajetória como enólogo e produtor de vinhos tem estado profundamente ligada a Colares. Desde a fundação da Casca Wines, em 2008, Colares tem sido uma das minhas bandeiras, promovendo e preservando este terroir singular. Através de publicações em revistas nacionais e internacionais, participações em podcasts e séries televisivas como Rotas do Vinho e Uncharted da National Geographic com o chef Gordon Ramsay, tenho trabalhado para trazer visibilidade a esta região e sensibilizar o público para o seu valor histórico e enológico. Este artigo explora as especificidades desta região, desde a sua localização e história até às características do solo e clima, passando pelas castas autóctones e os desafios enfrentados pelos produtores. Num tempo em que a autenticidade é um dos valores mais procurados no mundo do vinho, Colares surge como um exemplo de como a tradição pode coexistir com a inovação, garantindo um futuro sustentável para este património vitivinícola único.
Localização e História
A história da viticultura em Colares remonta à fundação de Portugal. Após a conquista de Sintra aos mouros por D. Afonso Henriques, há registos que indicam a presença de vinhas na região. O Foral de Sintra, concedido em 1154, já mencionava a plantação de vinhas, evidenciando a sua relevância para a economia local. No século XIII, D. Afonso III incentivou a viticultura em Colares, doando terras do Reguengo de Colares a Pedro Miguel e Maria Estevão, com a condição de aí plantarem vinhas. Acredita-se que castas como a Ramisco possam ter sido introduzidas nesta época, possivelmente de origem francesa.
Ao longo dos séculos, a região consolidou-se como um dos principais centros vitivinícolas de Portugal, atingindo grande prestígio no século XIX. Os vinhos de Colares foram amplamente exportados e apreciados na corte portuguesa, beneficiando do facto de as suas vinhas, plantadas em solos arenosos, terem escapado à devastação da filoxera. A oficialização da Região Demarcada de Colares em 1908 visou proteger esta identidade única e salvaguardar a autenticidade dos seus vinhos.
Solo e Clima
O terroir de Colares é um dos mais inusitados do mundo. O solo é predominantemente arenoso, com profundidades que podem atingir vários metros, assente sobre uma base de argila rica em ferro e alumínio. Esta argila, de origem sedimentar e pertencente ao período Miocénico, confere uma retenção hídrica essencial para a sobrevivência das vinhas em períodos de seca e contribui para a mineralidade característica dos vinhos da região. A presença desta camada argilosa permite que as raízes das videiras se aprofundem em busca de humidade, promovendo um equilíbrio entre maturação e frescura, essencial para a identidade dos vinhos de Colares.
A geologia da região é marcada por depósitos sedimentares marinhos e fluviais, característicos da formação geológica de Sintra. Estes solos antigos apresentam vestígios de fósseis e materiais calcários, que podem influenciar a estrutura e a acidez dos vinhos. A conjugação entre a areia superficial e a base argilosa cria um ambiente único para a viticultura, permitindo um crescimento lento e equilibrado das uvas.
O clima atlântico é outro fator determinante. A proximidade do oceano Atlântico traz uma elevada humidade relativa, fortes ventos e temperaturas moderadas ao longo do ano. Estas condições resultam num ciclo de maturação mais longo e em vinhos de elevada acidez, frescura marcante e excelente potencial de envelhecimento. No entanto, o clima também apresenta desafios, como o risco de ventos fortes que podem prejudicar a frutificação e as doenças fúngicas promovidas pela humidade.
Castas e Estilos de Vinho
A viticultura de Colares é dominada por castas autóctones adaptadas ao seu terroir específico, mas o encepamento da região inclui outras variedades menos conhecidas que também desempenham um papel relevante na diversidade dos vinhos produzidos.
Os vinhos de Colares são elaborados tradicionalmente, com longos períodos de estágio em madeira e garrafa antes da sua comercialização. Esta prática permite um desenvolvimento harmonioso dos vinhos e contribui para a sua longevidade excecional. Apesar do predomínio das castas tradicionais, o encepamento da região demonstra uma riqueza varietal que contribui para a identidade única dos vinhos de Colares.
Vinhos Brancos
Malvasia de Colares: Principal casta branca da região, produz vinhos de grande frescura, salinidade e estrutura. Os brancos de Malvasia de Colares apresentam notas cítricas, florais e uma textura envolvente, que beneficia de um estágio prolongado que lhes confere profundidade e longevidade.
Galego Dourado: Outra casta histórica da região, frequentemente encontrada em vinhas antigas misturada com a Malvasia de Colares. A Galego Dourado acrescenta complexidade aromática, conferindo maior amplitude e textura ao vinho. Pode representar até 15% no lote dos vinhos brancos, sendo valorizada pela sua acidez equilibrada, quando colhida no tempo certo, e notas de fruta de caroço.
Vinhos Tintos
Ramisco: A casta emblemática de Colares, responsável por tintos de elevada acidez, taninos firmes e um perfil aromático distinto, marcado por notas de frutos vermelhos, ervas secas, iodo, maresia e uma mineralidade expressiva. Os vinhos Ramisco têm um enorme potencial de envelhecimento, evoluindo para um perfil de grande complexidade ao longo das décadas.
Molar: Muitas vezes presente nas vinhas velhas de Colares, a Molar contribui com um perfil mais suave e frutado, ajudando a equilibrar a estrutura tânica firme do Ramisco. É permitida na composição dos vinhos tintos de Colares até 15%, conferindo-lhes um caráter ligeiramente mais acessível em juventude sem comprometer a longevidade.
Desafios e Futuro da Região
A preservação da viticultura em Colares enfrenta desafios significativos:
Pressão urbanística: A proximidade de Lisboa e Sintra leva à conversão de terras agrícolas para habitação e turismo, reduzindo progressivamente a área de vinha.
Dificuldade no cultivo: A necessidade de plantar manualmente as vinhas em areia e protegê-las dos ventos oceânicos torna a viticultura de Colares particularmente exigente e dispendiosa.
Mudanças climáticas: O aumento das temperaturas e as alterações nos padrões de precipitação podem impactar o equilíbrio natural que caracteriza os vinhos da região.
Apesar destes desafios, há um renovado interesse pela região. Pequenos produtores e projetos inovadores têm apostado na recuperação das vinhas históricas, valorizando as técnicas tradicionais e promovendo Colares como um tesouro enológico de Portugal. O reconhecimento da autenticidade dos seus vinhos, aliado ao seu caráter único, coloca Colares num caminho de resiliência e valorização internacional.
Nos últimos anos, um número crescente de novos produtores tem apostado na região, trazendo uma abordagem fresca e moderna à viticultura de Colares, sem perder de vista as tradições centenárias que a definem. Estes produtores têm investido na recuperação de vinhas antigas, muitas vezes abandonadas, promovendo práticas de viticultura sustentável e biológica para preservar o ecossistema local. Além disso, novas técnicas de vinificação estão a ser exploradas, como o uso controlado de madeira para refinar a expressão das castas autóctones, garantindo uma maior diversidade de perfis de vinho.
Paralelamente, algumas das casas vinícolas mais antigas da região também têm passado por um processo de renovação, modernizando as suas adegas e expandindo a sua presença nos mercados internacionais. Este movimento tem contribuído para uma nova perceção sobre os vinhos de Colares, captando o interesse de sommeliers, críticos e enófilos em busca de experiências enológicas autênticas e diferenciadas.
Com esta conjugação de inovação e respeito pela tradição, Colares encontra-se num momento promissor, onde a resiliência dos produtores e a crescente valorização do terroir atlântico podem garantir um futuro vibrante para a região. O aumento do enoturismo e a curiosidade dos consumidores por vinhos com forte ligação ao seu território contribuem para um reconhecimento cada vez maior da singularidade de Colares no panorama vitivinícola mundial.
Conclusão
Colares é uma região vitivinícola única, onde a tradição e a natureza se fundem para criar vinhos irrepetíveis. O seu terroir de solos arenosos, clima atlântico e castas autóctones confere aos vinhos uma identidade distinta e um potencial de envelhecimento raro. Os desafios da região são significativos, mas o compromisso dos produtores locais e o crescente interesse na preservação desta herança vitícola abrem novas perspetivas para o futuro de Colares. Para os apreciadores de vinho, explorar um Colares tinto de Ramisco ou um branco de Malvasia de Colares é uma experiência sensorial e histórica inesquecível.
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Hélder Cunha Winemaker
A minha vida é o vinho.
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