Nem tudo o que é espumante é champagne
14 de Março 2019
No dia 8 de Março, “Dia da Mulher”, estive no programa da Cristina Ferreira na SIC para falar de vinho a mulheres. O convite surgiu da surpresa que fiz ao meu amigo José Fidalgo no mesmo programa, há umas semanas. Aceitei o desafio e selecionei uma série de vinhos para levar, para fazermos uma prova durante a conversa, na qual participaram também duas mulheres apreciadoras de vinho, a Bárbara Norton de Matos e a Isabel Saldanha. Durante a conversa, surgiu o tema do Champanhe. Eu tinha levado para a ocasião uma garrafa de espumante Monte Cascas Reserva Bruto Távora-Varosa 2013. E assim que viram a garrafa, veio à baila a palavra Champanhe. Aproveitei a ocasião para esclarecer que nem tudo o que é espumante é Champanhe. Só é Champanhe o espumante que é produzido na região vinícola francesa com o mesmo nome.
Hoje a região de Champanhe é a “marca” de espumantes mais forte do mundo. Mas este reconhecimento não é novidade. Já em 1676 foi citado na obra de Sir George Etheredge, “The Man of Fashion”, e rapidamente se tornou um sucesso, quer em Inglaterra, quer em França. A sua efervescência tornou-o um vinho extravagante que despertava os 5 sentidos e que, já na altura, era muito caro, tornando-se moda na aristocracia.
A produção de Champanhe sempre foi difícil, a princípio porque era descontrolada e os produtores não entendiam o mecanismo da segunda fermentação. Na altura, durante a vindima o vinho não terminava completamente a sua fermentação*. Quando na Primavera se engarrafava, o vinho acabava por fermentar os açúcares que faltavam dentro da garrafa. No Outono, as garrafas que aguentavam a pressão, causada pela libertação de gás carbónico da fermentação, sem verter ou rebentar, estavam efervescentes.
Foram precisos cerca de 100 anos para se entender a efervescência e conseguir transformá-la num processo controlado de espumantização. Este processo consiste em utilizar um vinho base com a primeira fermentação completa – isto é, sem quaisquer açúcares por fermentar – e colocá-lo dentro de garrafas especiais, com rolhas especiais, capazes de aguentar a pressão de uma segunda fermentação, que acontece “presa” na garrafa. Mas para se dar a fermentação em garrafa é preciso juntar ao vinho base as leveduras e açúcares suficientes para fermentar e fazer nascer a efervescência e a mousse que caracterizam um espumante. O processo não é simples, mas a excelência do produto final vale a pena.
Por cá, em Portugal, desde o início do século XX que as regiões de Távora-Varosa e da Bairrada utilizam o método desenvolvido em Champanhe, ao qual damos o nome de método tradicional. E já demos provas de que temos capacidade para nos afirmarmos no extravagante mundo dos espumantes. Pode não ser Champanhe. Mas é espumante… e do bom.
* a transformação dos açúcares presentes no mosto de uvas em álcool, com libertação de gás carbónico.
Hélder Cunha Winemaker
A minha vida é o vinho.
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