O Sol em Garrafa
02 de Maio 2019
É realmente impressionante o nosso domínio no mundo, em relação aos vinhos generosos, também chamados de vinhos tratados, fortificados, beneficiados ou vinhos finos. Somos, sem qualquer dúvida, os líderes em qualidade e quantidade neste vinhos que o enólogo deixa ficarem doces e aos quais se adiciona aguardente vínica.
Numa destas crónicas, já falei deles. Mas sabe como se fazem os vinhos generosos?
Esta semana estive por terras sadinas, onde reina o Moscatel de Setúbal. É um vinho feito a partir da casta homónima, Moscatel Graúdo, mas que, a certa altura da fermentação, o enólogo decide fortificar. Sim, fortificar, dar mais força, isto é, adicionar aguardente e fazer subir abruptamente a graduação alcoólica.
Ora vejamos, a fermentação é um processo natural de transformação do açúcar que existe nas uvas em álcool. E são as leveduras, ou fermento, que o faz, libertando gás carbónico durante o processo. Quando a meio da fermentação adicionamos aguardente – na maior parte dos casos com uma força de 77% de álcool – acontece que as leveduras morrem e deixam para trás açúcares que ficam por degradar e por transformar em álcool, resultando num vinho de maior grau alcoólico e ao mesmo tempo doce.
Faz-se um pouco por todo o país. Como resultado, temos vinhos como os abafados de Almeirim, o vinho do Porto ou até o vinho da Madeira. Mas ali em Setúbal resulta como “o sol em garrafa”. Esta expressão é da autoria de Léon Douarche, que na primeira metade do séc. XX foi Diretor do OIV (Organização Internacional da Vinha e do Vinho). Na altura, Douarche referia-se à tonalidade dourada destes vinhos.
Os vinhos generosos desta região são diferentes porque, além de terem origem numa das castas mais aromáticas do mundo, são também produzidos recorrendo a curtimentas prolongadas após a sua fortificação. São vinhos de um carácter único e que podem envelhecer centenas de anos.
Se ficou curioso, procure saber o que são os vinhos da “Roda” ou os “Torna Viagem”. E se os conseguir provar, vai sentir o que é uma das melhores relíquias que somos capazes de produzir.
Hélder Cunha Winemaker
A minha vida é o vinho.
Alguma questão ou sugestão de tema?
Por favor, escreva para: blogdoenologo@cascawines.pt